Rogério Nuno Costa

VERSÃO PDF

RE/CURSO

Notas para a especulação (presente) de uma escola multiversal. A partir de “Multiversidade: notas a especulação (futura) de uma universidade queer”, conferência-performance de Rogério Nuno Costa (2021).

Contra-Capa

~~~

Never Skip The Intro, Stay There!

(Nota de Autor)

Se estou a escrever este texto, agora, o melhor é assumir que na verdade já o escrevi. Ou se decidir parar para escrever mais tarde, o melhor é acreditar que essa minha projeção futura está na verdade a acontecer em 2020, quando isto devia ter acontecido, ou então em 2010, quando tudo começou (foi mesmo assim?), ou então amanhã, em 2025, em 5225, ou há 5 milhões, 325 mil, 555 anos. Já sabemos que não houve Big Bang nenhum… A inexistência de um Início inaugural levará à consequente invalidação de toda e qualquer ideia de Fim. Vou então impor, neste texto, uma nova temporalidade, uma historiografia transformada em historiologia, ou uma gramática do infinito: para uma ciência especulativa, e para uma elaboração trans-histórica à volta de uma tese, dos seus investigadores (somos muitos), dos seus orientadores (era bom que fossem menos) e dos seus leitores. A viagem será vertiginosa; aconselho alguma calma… E será aborrecida; aconselho alguma paciência… E confusa; aconselho uma cadeira, onde possam sentar-se a observar a vossa própria respiração… E distante; aconselho um par de auscultadores que vos faça aproximar a escuta, em ASMR, ao white noise do meu computador. [Ler em ASMR] O texto que estou a escrever é uma emanação, etérea e intangível, da tese que não vou, não quero, ou não posso escrever, e projeta-se em várias direções temporais e emocionais: para trás dela, para a frente dela, para dentro dela. Nunca por causa dela. Nunca sobre ela. O avesso da tese. [Abrir documento Word com a tese-por-escrever; mostrar o título e rasurar]

Rogério Nuno Costa

Amares/Helsínquia, Agosto/Setembro 2022

Errata

MULTIVERSITY

Speculating (future) queer universities

(Nota de Tradutor)

Rogério Nuno Costa assumes no responsibility or liability for any errors or omissions in the content of this text. The information contained in it is provided on an “as is” basis with no guarantees of completeness, accuracy, usefulness or timeliness. It is based on true facts that are not necessarily true. But it’s true that the following has been based on facts.

Adenda

Aceitar que nunca viajamos no espaço, mas sim no tempo; e que este é circular, circulatório e circunscrito. Tal como o texto. Aliás, o que estou a escrever não é do Agora, esse chavão formal inventado à pressa pela Taschen para vender resumos Europa-América… O que estou a escrever é do regime do Depois. Não começa e não acaba, resistindo num sempiterno a-pós, num incomensurável e fatídico a-seguir. Entrar nesta realidade matricial implica termos que desapertar o cinto da convenção, parar o relógio, ficar à espera que a hora marcada volte a ser verdade, para então abraçarmos definitivamente a nossa condição de observadores sentados, em pano de fundo, a assistir à mesma tragédia de sempre. No texto, e também no encontro, se condensa(rá) tudo aquilo que já aconteceu e tudo aquilo que vai acontecer. Por serem desprovidos dos erros associados ao destino biológico — o texto são folhas de papel com um prazo de validade muito superior ao da pessoa que o segura; o encontro é uma realidade imaterial, logo, sem tempo — , ambos se apresentarão em permanente curto-circuito lógico, revendo infinitamente as milhares de hipóteses de futuros e de passados possíveis. É tudo verdade, aqui e aí. Qualquer semelhança do tempo do texto com o espaço da leitura terá sido pura coincidência. Ou puro acaso. São quase sinónimos… Na verdade, é a (des)ilusão ótica desta fibra que nos une, neste momento impreciso e singular, que nos faz perguntar: o que é que (ainda) podemos partilhar? E eu respondo: o ecrã. [Zoom: o performer a querer falar com o performer; faz o lip sync da sua própria voz] Eu sei que isto não vai correr bem. Por isso agradeço, do fundo do coração, estarem aí atrás a aquecer-me as rogério nuno costas.

Bibliografia

¶ ADORNO, Theodor W., 2005. Minima Moralia: Reflections on a Damaged Life. Verso.

¶ ALLSOPP, Ric & HILTBRUNNER, Michael (ed.), 2016. On Radical Education, in Performance Research, Vol. 21, Issue 6.

¶ AVANESSIAN, Armen & HENNIG, Anke, 2017. Metanoia: A Speculative Ontology of Language, Thinking, and the Brain. Bloomsbury Academic.

¶ BENJAMIN, Walter, 1969. Illuminations: Essays and Reflections. Schocken.

¶ BISMARCK, Pedro Levi (org.), 2019. A Universidade na Era do Neoliberalismo. In www.revistapunkto.com 

¶ BLOCH, Ernst, 1954. The Principle of Hope. MIT Press (ed. 1986).

¶ BOURRIAUD, Nicolas, 2009. Altermodern. Tate.

¶ BRYANT, Levi & SRNICEK, Nick (ed.), 2010. The Speculative Turn: Continental Materialism and Realism. Re-press.

¶ BUTLER, Judith, 2017. Academic Freedom and the Critical Task of the University. Journal Globalizations, Volume 14 – Issue 6, pp. 857-861.

¶ CHAPUIS, Yvane (dir.), 2005. Thomas Hirschhorn – Musée Précaire Albinet. Les Lasboratoires d’Aubervilliers & Éditions Xavier Barral.

¶ D’HAINAUT, Louis, 1986. Interdisciplinarity in General Education. Unesco.

¶ DARWIN, Charles, 2004. The Origin of Species. Castle Books.

¶ DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix, 1988. A Thousand Plateaus: Capitalism and Schizophrenia. The Athlone Press Ltd.

¶ DERRIDA, Jacques & DUFOURMANTELLE, Anne, 2000. Of Hospitality: Anne Dufourmantelle Invites Jacques Derrida to Respond (Cultural Memory in the Present). Stanford University Press.

¶ DERRIDA, Jacques, 2001. L’Université sans Condition. Éditions Galilée.

¶ DERRIDA, Jacques, 2004. Eyes of the University: Right to Philosophy 2. Stanford University Press.

¶ DION, Mark, 1999. Archaeology. Black Dog Publishing.

¶ EAGLETON, Terry, 2010. The Death of Universities. The Guardian.

¶ Edu-factory Collective, The, 2009. Toward a Global Autonomous University. Autonomedia.

¶ FOSTER, Hal, 1996. The Return of the Real: Art and Theory at the End of the Century. MIT Press.

¶ FOUCAULT, Michel, 1984. Of Other Spaces: Utopias and Heterotopias, from “Architecture/Mouvement/Continuité” journal, October 1984.

¶ FREEMAN, Jo, 1970 (original publishing date). The Tyranny of Structurelessness, http://struggle.ws/pdfs/tyranny.pdf.

¶ FREIRE, Paulo, 2000. Pedagogy of Freedom. Rowman and Littlefield Publishers.

¶ GLEICK, James, 2011. The Information: A History, a Theory, a Flood. Knopf Doubleday Publishing Group.

¶ GUSDORF, Georges, 1963. Pourquoi des Professeurs? Pour une pédagogie de la pédagogie. Petite Blibliothèque Payot.

¶ GUSDORF, Georges, 1979. Speaking. Northwestern University Press.

¶ KESSEL, John, 2009. The Secret History of Science Fiction. Tachyon Publications.

¶ HALBERSTAM, J. Jack, 2011. The Queer Art of Failure. Duke University Press.

¶ HAN, Byung-Chul, 2015. The Burnout Society. Stanford Briefs.

¶ HANSMANN, Sabine, 2021. Monospace and Multiverse. Columbia University Press.

¶ HILLER, Susan & MARTIN, Sarah (ed.), 2000. The Producers: Contemporary Curators in Conversation. University of Newcastle upon Tyne, Department of Fine Art.

¶ HIRSCHHORN, Thomas, 2005. Anschool II (archive of leaflets and brochures). Museu de Serralves.

¶ HOOKS, Bell, 2004. The Will to Change: Men, Masculinity, and Love. Washington Square Press.

¶ HUXLEY, Aldous, 1937. Ends and Means. Harper and Brothers Publishers.

¶ LATOUR, Bruno, 2018. Down to Earth, Politics in the New Climatic Regime. Polity Press.

¶ LEE, Lisa & FOSTER, Hal, 2013. Critical Laboratory – The Writings of Thomas Hirschhorn. The MIT Press.

¶ LEVIN, Thomas Y. & FROHNE, Ursula & WEIBEL, Peter (ed.), 2002. Ctrl [Space]: Rhetorics of Surveillance from Bentham to Big Brother. MIT Press.

¶ MARRAN, Christine L., 2017. Ecology without Culture: Aesthetics for a Toxic World. University of Minnesota Press.

¶ MASON, Paul, 2015. PostCapitalism: A Guide To Our Future. Penguin.

¶ MBEMBE, Achille, 2019. Necropolitics. Duke University Press Books.

¶ MORTON, Timothy, 2013. Hyperobjects: Philosophy and Ecology after the End of the World. University of Minnesota Press.

¶ MUÑOZ, José Esteban, 2009. Cruising Utopia: The Then and There of Queer Futurity. NYU Press.

¶ NELSON, Robin, 2013. Practice as Research in the Arts: Principles, Protocols, Pedagogies, Resistances. Palgrave Macmillan.

¶ PERRY, John R., 2012. The Art of Procrastination: A Guide to Effective Dawdling, Lollygagging and Postponing. Workman Publishing Company.

¶ PRECIADO, Paul B., 2013. Testo Junkie: sex, drugs, and biopolitics in the pharmacopornographic era. The Feminist Press at CUNY.

¶ RANCIÈRE, Jacques, 1991. The Ignorant Schoolmaster: Five Lessons in Intellectual Emancipation. Stanford University Press.

¶ READINGS, Bill, 1997. The University in Ruins, Harvard University Press.

¶ SCHMIDTZ, David & BRENNAN, Jason, 2010. A Brief History of Liberty. Wiley-Blackwell.

¶ SHOLETTE, Gregory, 2011. Dark Matter: Art and Politics in the Age of Enterprise Culture. Pluto Press.

¶ SLOTERDIJK, Peter, 1988. Critique of Cynical Reason. University Of Minnesota Press.

¶ SPICER, André, 2017. Universities are broke. So let’s cut the pointless admin and get back to teaching. The Guardian.

¶ SPIVAK, Gayatri Chakravorti, 2010 (revised edition). Can the subaltern speak?, from “The History” chapter of  Critique of Postcolonial Reason (pp. 21-78).

¶ VIRILIO, Paul, 2003. Art and Fear. Continuum.

¶ VIRILIO, Paul, 2010. University of Disaster. Polity Press.

¶ WESTERHOFF, Jan, 2012. Reality: A Very Short Introduction. Oxford University Press.

¶ ŽIŽEK, Slavoj, 2001. On Belief. Routledge.

(to be continued…)

Notas de Rodapé

(0)

Multiversidade não é um tema, é uma ideia. Desprovida, para já, de qualquer materialidade e, diria até, de qualquer conceptualidade. É uma substância em início de combustão. Um fósforo que se acende mas que demora a extinguir-se tanto tempo quanto o tempo que demora o Tempo a tornar-se insignificante. E se a uma tese subjaz uma investigação, então o que aqui partilho é o negativo, infinito, dessa investigação. O Lado B da tese que não teve força de o ser. Uma tese escrita, aprovada, defendida, avaliada, arquivada. Mas já não me pertence; e duvido que, se a encontrar por aí, ela me reconheça. “Então, que tens feito? Ahhh, nada de especial. Olha, voltei para o meu computador, donde aliás nunca devia ter saído. Ah, pois…” Silêncio. [Abrir o website do projeto e escolher a tab “Never Skip The Intro, Stay There”; não está lá nada, só o título.] Partilho apenas o que terá sido cortado, censurado, reescrito, omitido. O que não foi autorizado, ficou à porta ou foi desviado para nota de autor, ou de tradutor, ou para anexo, adenda, ou errata. O que ficou perdido em notas manuscritas em papéis que se perderam algures entre Helsínquia e Amares. O que foi apagado, às vezes sem querer, às vezes de propósito, ou que escapou à polícia higienizadora do backup. O que não teve espaço nem tempo para acontecer. O que era demasiado isto, ou insuficientemente aquilo. Not good enough. Not academic enough. Not serious enough. Not interesting enough. Not bold enough. Not new enough. O que pecou por falta de rigor, falta de mensurabilidade, de provas, de alicerces referenciais, de state of the arts. Enfim, tudo o que não levou com o selo de aprovação peer-reviewed e foi, assim, parar ao caixote de lixo virtual. Tudo aquilo de que me envergonho, portanto. É isso que vos apresento. Vergonhas alheias. Restos de nada. Desordenados. Sem Photoshop nem filtros do Instagram. Sem revisão de provas. Sem design. Só dejetos. Silêncio. Um mergulho sem volta numa imensidão de nãos. (“Não, não, não pode ser…”). [No ecrã, um fractal em movimento.] Que tal como o universo, que se expande cada vez mais, e o tempo vai-se fazendo cada vez mais elástico, até se tornar imperceptível, também o meu processo de tese, especular e matricialmente refletido neste texto, abraça essa entropia exponencial, a cada respiração duas vezes mais larga, a cada aproximação geometricamente mais ilegível, esboroada, incerta. Não tenho nada para dizer. Não sei produzir. Tenho fobia ao compromisso. Não cumpro a promessa que se encontra plasmada nas sinopses mediáticas. Só consigo cumprir a promessa de haver prometido, e de saber que, invariavelmente, vou perder. Ainda mal comecei a escrever e o texto já se multiplicou em número de páginas e ainda mais em tempo de leitura. Não vou conseguir sair daqui. Lamento ter-vos arrastado para esta minha tragédia… Não sou daqui. Isto não me pertence. Tentarei, pelo menos, sabendo que a falha, o desmoronamento, a frustração, e depois o apagamento, a dissipação, e o silenciamento, serão irreversíveis.

(1)

Omitir a tese, então, para apresentar apenas as notas de rodapé, fazendo o resumo possível da minha passagem por este mundo em 27 apontamentos distribuídos por vários capítulos vazios. Chamo-lhes notas de rodapé mas podia chamar-lhes ecos, lágrimas, expirações, poços sem fundo, pequenos momentos infinitesimais de lucidez, sítios onde já fui feliz. Vou escrevê-las antes que se desvaneçam por entre o pó dos dias. Não assumam a numeração que lhes dei como um esforço de linearidade; a ordem numérica é a convenção que encontrei para poder resistir a isto sem perder o equilíbrio; podiam ser letras, nomes de animais, as capitais dos países todos do Mundo, cores, nomes próprios. STOP. Ou nada. Silêncios contundentes. White noise. (pausa) Prometo ficar aqui, aconteça o que acontecer. A olhar para o mesmo vazio de sempre. Um exercício que, na melhor das hipóteses, será hiperbólico. Na pior, leviano. Não se preocupem, já estou habituado… Também gosto muito de vocês, mas. Esta foi a nota de rodapé número 1.

(2)

[Abrir a pasta com o nome ‘Aesth(Ethics)‘ e escolher a imagem-texto: “This is a non-place. There’s no content here. Move on, move on.”] Uma nota de rodapé poderia ser a assunção de uma realidade paralela. Ou pelo menos a porta de entrada, ou de saída, para uma outra dimensão. Poderia também dizer, d’après Bartleby, que preferia não. Preferia não escrever. Isto não significa que o texto não exista. Está aqui, estou a escrevê-lo. A potência do que não é dito, mas cujo eco se reflete, invertido, do outro lado do espelho. Não será um meta-texto, antes um texto d’après outro texto. Um pre-texto (para não escrever). Há quem nomeie esta minha recusa com as palavras desleixo, demissão, ou até procrastinação, que é só uma forma científico-fofa de dizer: “Não és capaz”. Pois, não sei… Eu não sei. Não sou especialista do meu métier. Não sei nada sobre as origens da minha indisciplina. Estou sempre a repetir as mesmas coisas, e sempre que o faço, as mesmas coisas perdem cada vez mais sentido. Tornam-se anedóticas e vazias… [Escrita “ao vivo” de um post no Facebook; os espetadores (no teatro ou em casa) podem reagir/comentar]

 “O especialista é aquele que sabe cada vez mais sobre um domínio cada vez mais restrito, de modo que a sua realização perfeita é saber tudo sobre nada”.

K Chestertin, in ‘What’s Wrong With The World’, 1912

(tradução minha)

Serei porventura especialista na arte de falar do que não sei, esse pecado capital cujo crime é tantas vezes julgado na praça pública dos morais. Gostava mesmo de poder relaxar nesta condição de ignorância. Olho para a ponta do iceberg, qual miragem de um oásis num deserto ártico, e não lhe consigo reconhecer forma, nem brilho, nem substância. Vou tentar ser ecológico e reciclar. Continuo a acreditar que é no lixo que está a chave para a descodificação do Mundo. Inadvertidamente, deixo vazar pensamentos de autoria incerta/não anotada que fui deixando em cadernos de notas virtuais ao longo dos anos, para além de conversas que tive com Amigos, em duas línguas, citadas de cor e sem autorização. Um auto-infligido revisionismo histórico/histérico, para me situar, e a seguir, seguir. A Multiversidade, a ser possível, será isso: matéria estilhaçada que nunca terá sido una. E nunca será.

(3)

A ideia de que existe um número infinito de outros universos para além daquele que conhecemos não é só uma obsessão da física contemporânea. É possível encontrar hipóteses de mundos múltiplos desde, por exemplo, a filosofia dos Atomistas, que já no século V a.C. argumentavam que a ordem e a beleza do nosso mundo eram um mero produto acidental da colisão de átomos num vazio infinito. Essa acidentalidade teria, de igual modo, dado origem a um número infinito de outros mundos, paralelos ao nosso, quiçá menos perfeitos. Também os Estóicos viam o cosmos como uma entidade imbuída de uma alma eterna e indestrutível. Crísipo de Solos afirmava que o mundo acabaria por se deteriorar numa espécie de vazio etéreo, para depois se regenerar novamente numa outra realidade material, e assim sucessivamente e ciclicamente, ad infinitum. No seu “Discurso sobre Metafísica”, Leibniz desenvolve a noção de mundos possíveis; Deus teria escolhido o nosso mundo, entre vários que tinha à Sua disposição, para o contemplar com a dádiva da existência, por duas razões: as leis físicas seriam constantes, e, por consequência (mais ou menos), o mundo não seria um mundo contraditório. (pausa) O melhor dos mundos possíveis… Olha que sorte! Imagino o que será estar vivo num dos mundos impossíveis que não teve direito à existência… Que leis? Que matéria? Será que o tempo também se arrasta geometricamente, enquanto o espaço se alarga em infinitude? E o que falta?

(4)

[Abrir o link para o filme “Strangers On A Train” de Alfred Hitchcock (1951) e mostrar os primeiros 30 segundos.] Se calhar esta insistência em fazermos provar a existência de mundos paralelos é porque sabemos que o mundo que temos é, na verdade, uma valente merda. Se calhar é mesmo o pior dos possíveis. Ou pelo menos um dos impossíveis. De aguentar. De resistir por mais tempo, agora que percebemos que o tempo é tudo menos energia renovável. Esta ideia de mundo possível ganhou um novo eco na contemporaneidade, com teorias como a do realismo modal, proposta por David Kellogg Lewis, para quem um mundo possível seria a forma completa e consistente de um mundo ser, ou poder ter sido. Para ele, todos estes mundos possíveis são reais, ou pelo menos tão reais quanto o mundo que conhecemos. Existem e não são diferentes nem iguais ao mundo, o nosso, porque são entidades irredutíveis. Cada sujeito poderá declarar o mundo como o seu mundo, o único real, ou o único possível, na medida em que se referem ao espaço onde estão como o espaço-aqui, e ao tempo onde estão como o tempo-agora. E agora?

(5)

E aqui? Haverá algum sujeito que tenha conseguido triunfar e escrito a minha tese suspensa, no real do seu mundo real? Haverá alguém que me possa estender uma mão, entrelaçá-la quanticamente na minha, e fazer-me acreditar que sim, que é possível? E que não, que eu não sou a pior versão de mim mesmo? [Imitando Laurie Anderson em “O Superman”, 1981] “Hello? Is anybody out there?” (pausa) Em que ponto do globo é que a fibra que separa os mundos se mostra mais fina? (pausa) O mais certo é ter que fazer aquela famosa viagem de barco, e nunca mais voltar… [Selecionar um excerto da tese, copiar e colar num text speech generator]

 “The simulation hypothesis suggests that the world we inhabit is a simulated world and that we are simulated persons. If we do create a simulated world, we won’t stop there. We won’t just create one. We didn’t stop with one iPhone; we wouldn’t stop with one simulated world. Once Pandora’s box is open, you can’t close it. If there is one, there will be thousands. And beings in simulated worlds could even advance enough to create their own simulated worlds within their world. So a physical universe with a single simulated world isn’t a very likely scenario. Thus, when we consider the possible physical universes that could exist, we realize the following: either there is one real physical universe and in that universe no simulated world is ever created, or, in the one physical universe that exists, thousands upon millions upon billions of simulated worlds are created.”

(6)

Neste mundo impossível, todas as teorias que existem são teorias que só podem ser comprovadas teoricamente. É mais ou menos assim que imagino a Multiversidade: um buraco negro onde a seta do tempo é lançada para trás. A sua direcionalidade: uma entropia, só que ao contrário. “Time runs backwards inside a black hole”, li algures. E este texto a tornar-se insuportável… Vou publicar um vídeo de gatinhos. [Abrir o link “Non-Human Creativity”] Nesta Multiversidade, o magistrorum et scholarium será esse Tempo infértil. Impróprio para consumo. Inválido. Código errado. Terapia de re-reconversão. Mindfulness your own business. Respiração profunda, de olhos fechados, só que em excesso. Um vídeo de 10 horas de música relaxante para estudar, só que com todos os temas da Enya a tocar ao mesmo tempo. “Tens que ser forte, Rogério… Tu vais conseguir…” E no entanto, continuo sem saber.

(7)

Não há qualquer razão lógica que explique o facto de estarmos aqui. E no entanto perdemos o sono a lamentar a irreversibilidade do nosso próprio desaparecimento. Enrique Vila-Matas escreveu um livro sobre todos os escritores da história da literatura que decidiram deixar de escrever. Um livro sobre todos os livros que ficaram por escrever, mas que subsistem na impossibilidade provável de uma outra dimensão qualquer. Os anti-heróis do não. A literatura em suspenso. O livro do Vila-Matas não existe, são só notas de rodapé. Mas eu li-o. Não sei bem onde. Mas sei muito bem quando. Aliás, sempre que me perguntam “Onde é que tu vives?”, devolvo “Quando é que eu vivo?”. Sei lá, pode ser amanhã? Hoje tenho coisas para fazer… [Ir ver se há likes no Facebook; reparar no comentário de um usuário: link]

(8)

E o Fim que nunca mais chega… [Abrir link para a “Timeline To The End Of The Universe”]

(9)

Ontem estava a dormir em pé e decidi escrever este texto, ou a decisão de escrever a surgir-me antes do assunto. Este texto não é sobre mim, ou sobre ti. Este texto é sobre o texto. É sempre. Por isso mais vale nem falarmos sobre ele. É como aquela história do mentiroso que tanto mente que quando decide dizer a verdade ninguém acredita. Por exemplo: “Era uma vez um homem que nunca era convidado para nada. Faziam-se celebrações disto e daquilo e nunca o seu nome era sequer considerado. Um dia, alguém decide fazer uma festa para celebrar esse homem. Toda a gente convidada acorre, entusiasmada, só que o homem não estava lá. Não foi convidado.”

(10)

Aqui para nós que ninguém nos lê: “Não há espaço para tudo”. E muito menos para todos. Chama-se Física. Ando eu aqui a arrastar a Nasa e às vezes nem migalhas há para amontoar com os dedos em cima da toalha, a fazer assim uma almofadinha para aconchegar o peso da cabeça. Vocês que aí estão atrás, alguns ao lado, muitos, quase todos, à frente, vocês os que não reviram os olhos (e a página) quando dão de caras comigo, sabem que ponho sempre as notas de rodapé no cabeçalho: sou meta-ignorante. Ando há 10 anos a fazer justiça àquele meu amigo que me disse, em jeito de conselho, citando uma carta de Sophia a Jorge de Sena, que eu não devia perder tanto tempo “a dizer aos parvos que são parvos”. Demora-se muito tempo a aprender isto. Tanto quanto o tempo que demora o Tempo a tornar-se insignificante. Ou então nunca se aprende. Quer dizer, eles matam, e eu depois é que sou o anti-cenita.

(11)

Citando…

“(…) in a very literal sense, Kantian university is a fictional institution. Reason can only be institutionalized as far as institution itself can remain a fiction, if it can only work ‘as if’ it was not an institution. When the institution becomes real, reason turns away.”

Bill Readings, in “The University In Ruins”, 1996

(12)

O problema é que mesmo aqueles que vaticinam a morte das universidades, querem à força arranjar maneira de as ressuscitar. Que vai ser a interdisciplinaridade, a emancipação ao jugo neoliberal, o advento da universidade enquanto comunidade global de pensadores, a investigação enquanto prática artística, o impacto social que não se pode negligenciar, mais o espaço do dissenso, e da liberdade, e a abolição da hierarquia, e a horizontalidade, e a universidade enquanto laboratório, e a universidade enquanto zona autónoma temporária, buffer zone, lugar entre, heterotopia, silêncio, calma, feitiçaria, que vão ser estas punhetas todas que vão salvar a honra falocêntrica da academiazinha europeia. Pois eu cá acho que já está na altura de pararmos de profanar o túmulo, não? Ó colegas?… (pausa) Ou então mudarmo-nos para um hopeless place qualquer e fundarmos uma outra universidade, uma universidade da universidade, ou uma universidade sobre a universidade, uma universidade onde os únicos estudos são os estudos universitários. Uma para-instituição cuja única função é referir-se a ela própria, na letra e também no número. Multiplicação exponencial. Contaminação. Réplica e simulação. Cum hoc ergo cum hoc. A consciência cyborg será aqui uma consciência de peixe: a data guardada é obliterada de 5 em 5 segundos. A informação cortada em ação. Sem obras, nem ancoragens. Sem filosofia. Um sistema reticular, vívido porque existente, mas em constante decadência. Sem governo. Sem fraude nem força. Sem espiritualidade. Sem Arte. Suspensão da História. Sem linguagem, só língua. Sem sintomas, só efeitos secundários. A Multiversidade será um vírus, e cada mutação, um prefixo:

Para-versidade

Proto-versidade

Sub-versidade

Meta-versidade

Über-versidade

A-versidade

Alter-versidade

Infra-versidade

Re-versidade

Peta-versidade

Supra-versidade

Etc., etc., etc…

(13)

Em 2004, todas as obras de arte terão sido retiradas para fora do Museu Dhondt Dhaenens, em Deurle, na Bélgica, e depois também os vidros das janelas e todas as portas que davam para o exterior foram removidas. O edifício terá sido completamente desmantelado, despido, reduzido a uma mera estrutura óssea por entre a qual vento, chuva e “vândalos” encontraram um novo espaço para reinar. Continuou a chamar-se Museu. Mas uma pequena fissura no espaço-tempo criou aqui um protótipo de Multiversidade. Velhinha, mas ainda assim uma Multiversidade. Eu consigo ver. O problema é que o Santiago Sierra não…

(14)

[No ecrã: um pequeno fantasma (roubado) da/à tese, em Inglês Continental] “We often fall into the rhetorical trap of constantly referring to the political constellations that oppress us, ultimately reducing ourselves to them, if not being totally merged with the confrontation and the fight we have ourselves initiated. And so we fail to build this other world where we want to live, with other priorities and other valuation regimes. More than a utopia (or the idea of an idealized freedom), MULTIVERSITY suggests a place whose parameters and rules are exposed. It is perhaps a very pragmatic exercise, performed in a transparent and revealing way: knowing the rules of the game is to know that we’re playing it, and this makes it less absolute. In the essay ‘The Tyranny of Structurelessness’, feminist author Jo Freeman supports the idea that there are no systems without structures, but only systems where the structures are not explicit to all its participants. If the parameters are not visible, the structure becomes absolute, and not negotiable. The policies inherent to the construction of a meta-academy (by the means of irony and fiction) are therefore of utmost importance; they are its dramaturgy. MULTIVERSITY dark-mirrors the Western University. It is an alternate version of a university-to-be. While discussing the contemporary rituals of academic commemoration — the university of numbers and rankings, the ‘university of excellence’, as criticized by Bill Readings (op. cit.) —, MULTIVERSITY proposes an actualization based on a de-masculinization of the contemporary university’s system of representation, thus reacting to the ethics of individualization and the intrinsically male entrepreneurial self-empowerment behind Helvetica-induced motivational phrasings like: ‘You make your own path’, ‘You create your career’, ‘You can be a game-changer’. As a critical opposition to that, MULTIVERSITY presents itself as a trans-versal, trans-national and trans-gender university. A retro-futuristic eulogy to the precariousness, the ugliness and the failure. The unhealthy, the promiscuous and the defeated. A trial for an anti-institution embedded in a queer invisibility. A fight against the politics of success, the ideology of ‘the best country in the world according to studies’. A eulogy to the ones that don’t play the game-changing game. A crack in the system, a para-historical friction.”

(15)

Se calhar devia voltar ao início de tudo. Ao momento inaugural. Ao corte da fita. À mistura intragável de champanhe e pó. Mas não é isso que estou a fazer desde o início? A Multiversidade move-se, mas tão lentamente… (pausa) Bem, já perceberam a ideia. 

(16)

Az’Ars Poetica:

Reza a lenda, de joelhos e com imaculada devoção aos Estudos Clássicos Ocidentais, que o artesão Perilo de Atenas terá sido o primeiro a ser assado no horripilante Touro de Bronze, máquina de tortura por ele inventada para executar criminosos. Ao apresentar a criação a Fálaris de Agrigento, seu tirano, patrono, comissário, curador, co-financiador, benfeitor…, Perilo foi sadicamente convidado a servir de cobaia para demonstrar o bom funcionamento da máquina. Morreu uma morte horrenda, mas original. Reza outra lenda que todos os que vieram a ser executados no Touro de Bronze terão sido igualmente cobaias. A fazer de criminosos. (pausa) Que bem que se está na Idade Média, não está? Tudo a copiar Mestres como se não houvesse Peste amanhã… “Fui eu que copiei primeiro! Não, eu é que copiei primeiro! Não, eu!…” (…)

(17)

[MEME’SIS]

“Tibetan Teen Getting Into Western Philosophy

LHASA, TIBET — Deng Hsu, 14, said Monday that he is “totally getting into Western philosophy.” “I’ve been reading a lot of Kant, Descartes, and Hegel, and it’s blowing my mind,” Hsu said. “It’s so exotic and exciting, not like all that Buddhist ‘being is desire and desire is suffering’ shit my parents have been cramming down my throat all my life. Most of the kids in my school have never even heard of Hume’s views on objectivity or Locke’s tabula rasa.” Hsu said he hopes to one day make an exodus to north London to visit the birthplace of John Stuart Mill.”

(18)

Ainda estou aqui. Aliás, estou perto. A cada segundo me aproximo mais, mas a cada nano-passo que dou me convenço que jamais conseguirei vislumbrar o Outro Lado através do macroscópio. Se juntarmos os nossos olhos todos, calibrados num mesmo plano, talvez consigamos ver mais. Esta multiversidade singular, ou, consoante o ângulo da paralaxe, esta singularidade multiversal, pode muito bem ser um desacelerador de partículas, um laboratório de atos únicos, tudo o que só acontece uma vez e jamais poderá ser replicado. Sem lei. Nem ordem. Sem ciência. Só experiência. Se a cada género corresponder uma só espécie, para quê o esforço da taxonomia? Se juntarmos os nossos olhos todos, calibrados num mesmo plano, talvez consigamos ver mais…

(19)

Sigo em frente, agora, mas sempre olhando para trás. Caminho devagar para não bater com as costas na madeira. Às vezes sou acometido por instantes breves de clarividência, quando me apercebo que a linha que percorro, e que parece recta, é na verdade uma micro-parte da grande viagem de circum-negação que anti-heroicamente me aventurei a empreender. Para trás, e em círculo. Só descalabro e imensidão. (pausa) “A verdade é apenas uma desculpa para a falta de imaginação”. LOLei. “Age, e talvez tenhas jantar; fica à espera, e talvez sejas tu o jantar”. Enrolei os olhos para trás, como se quisesse finalmente pôr a vista no Futuro. “Nesta galáxia, existe uma probabilidade matemática que aponta para cerca de 3 milhões de planetas exatamente iguais à Terra, e no Universo inteiro, cerca de três mil milhões de galáxias exatamente iguais a esta. Contudo, a mecânica quântica só consegue conceber a existência de um doppelgänger para cada um de nós”. Para/Pára.

(20)

Ligaram a máquina da verdade à máquina da verdade e a máquina da verdade disse que a máquina da verdade era mentira.

(21)

[Citando Rogério Nuno Costa, “Missed-en-Abîme”, 2021] “O nosso perdedor é finalmente dado como perdido. Não parou. Foi parado. Pela gravidade própria da Vida. Entre aspas. Não há nada de mais claramente invisível do que a perdição. Afinal, não há salvação possível; aquilo de que fugia não era mais que sombra. Afinal não era a agressividade da fuga, mas a adaptabilidade da permanência. Afinal não era a magia a acontecer fora da zona de conforto. Que até podemos encontrar a pseudo-salvação ao sairmos para fora da caixa, mas, ao fazê-lo, outra caixa se abre, em fogo, à nossa frente. Mais vale dizer que não há solução, ou então voltar para dentro. A caixa estará sempre de janela aberta à nossa espera. Que se calhar, para escaparmos a um lugar, o melhor é deixarmo-nos ficar nele.”

(22)

[Citando Moses Sumney, faixa “also also also and and and”, álbum ‘græ’, 2020] “I insist upon my right to be multiple. I insist upon my right to be multiple – even more so, I insist upon the recognition of my multiplicity. All things encompassed in one. I really do insist that others recognize my inherent multiplicity. What I no longer do is take pains to explain it or defend it. That is an exhausting, repetitive, and draining project, to constantly explain and defend one’s multiplicity. So I’ve reached a point where I am aware of my inherent multiplicity. And anyone wishing to meaningfully engage with me or my work must be too. (Must be two.) I can also also also also and and and.”

(23)

Recordo os Amigos que me ensinaram, ao longo do funil invertido que tem sido a minha vida, que o que dói às aves não é o serem atingidas, mas que, uma vez atingidas, o caçador não repare na sua queda, parecendo-me com Daniel Faria. Relembro os autores para quem a vida, enquanto Vida, livre de espíritos livres e outras pré-determinações, sempre se pareceu com a Morte. Espaço oco e impreciso. Ao mesmo tempo ausência e concavidade. Ao mesmo tempo falha e falta. O futuro é quando?, imagino, quase ecoando Beckett, para depois sussurrar “Não, nunca, jamais, não”… Preocupo-me com as vidas que passam ao lado dos que querem vivê-las, nunca os atravessando. Escrevo: Da importância da estupidez. Mas detenho-me logo a seguir. Fala-se muito pouco do que corre mal, penso. Fala-se muito pouco do descalabro da queda, da perda, da desconexão, do esquecimento, da passividade. Escrevo: Da importância do aborrecimento. Apago e escrevo: Da importância da imobilidade. Mas detenho-me logo a seguir. Pareço ler na lo-fi(-sophy) de Judith Halberstam que devia haver mais assaltos à mão desarmada; assaltos à positividade tóxica que inunda o pensamento contemporâneo. O salão dos recusados é também o salão dos imperfeitos. Ou então, declamando Badiou: “Au culte identitaire de la répétition il faut opposer l’amour de ce qui diffère, est unique, ne répète rien, est erratique et étranger.” E depois escrevo: Sobre o mito da meritocracia. Mas detenho-me logo a seguir. Sempre que alguém me diz que só aceitou jogar o jogo proposto pelo sistema opressor para o poder controlar/manipular, aquiesço, dizendo: “Mais cedo ou mais tarde esse alguém vai criar o seu próprio sistema opressor; basta aparecerem novos jogadores”. De resto, gosto imenso de concursos, competições, pontuações e rankings. E adoro prémios e premiações. Atraem-me imenso listas. E tenho um fascínio quase mórbido pela palavra melhor. Acredito religiosamente no poder infinito dos números. E até consigo apreciar o lirismo subjacente à aura do super-herói. A medalhização olímpica dos humanos superiores é uma cena muito grega, há-de estar nos nossos genes, não? Só é uma pena que a arte não seja um desporto… (pausa para respirar baixinho) Regresso ao manuscrito uma última vez, apago e digito: Para um conhecimento desobediente. Mas detenho-me logo a seguir. A pensar nas razões pelas quais os meus pares deixaram que a aventura fosse ultrapassada pela prática da estratégia. Suspiro. E a seguir recordo uma definição de utopia escrita por Raymond Ruyer: “Um exercício mental de exploração dos possíveis laterais à realidade”. E assim vou passando ao lado da minha própria história. Recordo os Amigos que me ensinaram, ao longo do funil invertido que tem sido a minha vida, que o meu trabalho é sobre nada. Não me perguntem sobre o que é o meu trabalho, portanto; perguntem-me sobre o que é o meu descanso. Garanto-vos a mesma resposta, mas diferente. “O meu descanso, é sobre quê?” [Um torturial (vídeo de gatinhos, parte II): link]

(24)

[Manifesto Colaborativo, versão bilingue, 2015-2021] A Multiversity deve ser multiversal. Again. A Multiversity não se refere a nada a não ser a si própria. É uma self-referential multiversity. Só se interessa in what is, quase nunca in what shall be, às vezes in what will be, e mais ainda in what might have been. A Multiversity é sobre a Mutiversity. E o sítio onde a Multiversity tem lugar é a Multiversity. Portanto, a Multiversity está everywhere. Enquanto non-place ao mesmo tempo côncavo e convexo, a Multiversity não é o sítio where we are, mas o ponto where we put ourselves in position. E esse non-place é sempre uma crime scene, o breeding ground para a criação de ideologia. A Multiversity é fictional. E é real. Ou então é fictional, porque é real. Or the other way around. A Multiversity faz da ‘artistic practice’ o seu research field, mas sempre na condição de ‘dilettante’, amando e odiando at the same time, fazendo frente à cultura dominante, desafiando a percepção e a convenção, desmistificando a autoridade. A Multiversity é inacessível. Because everybody is already there. And by “there” we mean todos os lugares possíveis in todos os mundos possíveis, known and unknown. A Multiversity explora uma identidade difusa, embracing uma plurality de identidades desemparelhadas que se juntam a outras identidades desemparelhadas para, juntas, construírem uma universal and genderless comunidade. Limitless, borderless, endless comunidade. A Multiversity também é viral: over-portable, over-shareable e over-spreadable. É um algoritmo. Moreover, a Multiversity só é possível em ‘teoria’. That is, a Multiversity é possível. That is: a Multiversity é a reflected image of a university, of itself, on a black mirror. But then again: Multiversy is not sobre, Multiversity é. A Multiversity não é original. Sempre existiu e sempre vai existir. Multiversity should be multiversal. Again.” 

(25)

[Re-início] Não é possível descolonizar a universidade sem descolonizar o mundo primeiro. Mas é possível suprimir a falácia da universalidade a favor da assunção da multiversalidade. Tudo passa a ser uma escola: o museu é uma escola, o supermercado é uma escola, o hospital é uma escola, a prisão, o jardim, o hotel, o comboio, a rua, são uma escola. As plantas e os animais, a tecnologia e o entretenimento, a roupa e a comida, a televisão e os sonhos e a loucura e a morte e a solidão e as lágrimas e o suor, são tudo uma escola. Até a própria escola passa a ser uma escola. Se calhar, a escola do futuro é mesmo a Escola da Vida. Essa vida oca e imprecisa, que passa ao nosso lado, quase invisível, como uma brisa a-temporal. A escola do tempo demorado, o tal que demora o tempo que o tempo demora a tornar-se insignificante. Que na Multiversidade não se entra, sai-se. Somos todos poetas. E o poeta é um fugi’dor. “Foge tão verdadeiramente, que chega a fugir da fuga, a fuga que deveras…”. Deslocalizados e intermitentes, precisamos mesmo de nos libertar de quem nos quer libertar. [Mostrar exemplo de um artista a receber uma medalha, fenómeno conhecido academicamente por ART’LETISMO: link]

(26)

A arte da Multiversidade é a arte de saber quando é que uma peça é mais valiosa que as demais, e em seguida, nesse exato momento, estar disposto a sacrificá-la. É no vácuo criado pela perda do que é mais precioso que a oportunidade surge, a influência é maximizada e o desejo se torna destino. Por exemplo, neste tabuleiro a peça mais valiosa é o Compromisso. Logo, para o jogo ser ganho, o Compromisso terá que ser sacrificado.

(27)

[Regressar ao vídeo “Timeline To The End Of The Universe”, que deverá estar nos minutos finais, quando o último buraco negro se evapora: “Time Becomes Meaningless”. Blackout. Link. Uma nuvem de fumo engole a projeção (e o performer a olhar para ela).]

Tábua de Conteúdos

(Concrete) intro, for an abstract

(Abstract) intro, for a concrete thesis

Chapter I — Multiversity: an academy as performance

Chapter II — Performing utopia(s)

Chapter III — Understanding versus experiencing

Chapter IV — Everything is a lab

Chapter V — Counter-culture. Co-culture

Chapter VI — Multiversity as a communiversity

Chapter VII — Proposal for a (contemporary) proto-academy

Chapter VIII — Proposal for a Meta-University (Metaversity)

Chapter IX — Proposal for a Queer/University

Chapter X — Proposal for a Multiversity

(Open) Conclusion

Palavras-Chave

[COURSES & SEMINARS]

Non-Hierarchical Narratives, Ex-titutions, Museums of Alter-Modern Art, Heterotopic Geography, Rhizomatic Gastronomy, Low-Brow Architecture, Horizontal Mathematics, Infinite Literature, Ontological Anthologies, Meta-Academic Studies, Queer’ating, Pedagogical Pedagogy, Anti-Specialization, Post-Territoriality, Identity Crisis, Places-To-Be, Exoticology, Remote Controls, Possession, Progressive Nomadism, Mind-Specificity, Uncreative Writing, Cultural Disappropriations, Copywrong, Quantum Philosophy, Lo-fi-sophy, Science-Based Science, Art-Based Art, Cyber-Terrorism, aPOPcalyptical Studies, Epistemology of Teaching, Unlearning Methodologies, Post-Human Spirituality, Non-Human Creativity, Contemporary Fraud, Fast-Food Education, Eco-Fascism, Instruction Manuals, Idiocracy, Natural Archives, Conference-Based Conferences, Unavoidable TEDx Talks, Meta-Metaphysics, Kopimism, Second-Hand Embarrassments, Trance-Genic Music, Post-Capitalist Readymades, Lame Speech, Laziness, Philo-Fiction, De-Centred Modernities, Nãopósios (Portuguese Only), Speculative Ethnography, Over-Realism, Empathy, Non-Hierarchical Tropes, Meta-Metaphysics, The (Queer) Arts Of Failure, Proto-Academic Historiology, Transgender Disciplinarity, Classroom Design, The Politics Of Listing, Finlandization.

Prefácio

Retrospetivando e concluindo a prática investigativa que me tem ocupado desde 2015, em projetos para-académicos que co-existem nas interseções entre Arte, Ciência, Filosofia e Cultura Pop, MULTIVERSIDADE propõe a produção e apresentação de vários discursos especulativos e “pós-ficcionais” que ambicionam a previsão do futuro da Universidade através do exercício queer da falha, enquanto dispositivo de resistência (anti-corporativa/capitalista e anti-heteronormativa) aos atuais modos hegemónicos de produção de conhecimento. Confrontando o status quo da pós-verdade, da massificação e da hiper-especialização, MULTIVERSIDADE tem vindo a materializar-se em modelos de trabalho essencialmente investigativos e laboratoriais (seminários, grupos de trabalho/leitura, workshops, publicações colaborativas) em parceria com festivais, estruturas de formação independentes e instituições académicas em Portugal, Alemanha, Países Baixos, Roménia, Finlândia e Canadá: Tanzfabrik, Circular Festival, ArtEZ University of the Arts, Atelier Real, e-motional | rethinking dance, Aalto University, Future Places, Porta33, Creative Commons Global Summit, Armazém 22 (Unfinished Summer School), Núcleo de Investigação em Estudos Performativos da Universidade do Minho, Recurso (Estrutura), Centro em Movimento e Es.Col.Az (Associação Parasita). Em 2021, com o apoio da bolsa de investigação “Reclamar Tempo” atribuída pelo Teatro Municipal do Porto, e após duas residências de pesquisa/criação no Kallio Stage (Helsínquia) e no CAMPUS Paulo Cunha e Silva (Porto), o manancial de informação (essencialmente textual) compilado ao longo dos anos foi condensado numa palestra-performance apresentada enquanto tese académica (ou o seu infinito abstract), elaborando e imaginando alternativas utópicas aos atuais modelos educacionais ultra-liberais, para os confrontar com a possibilidade de uma “universidade de múltiplos”, uma meta-universidade, ou uma multiversidade. Apresentada provisoriamente na Rua das Gaivotas 6 (2021) e no festival Atos de Fala/Teatro do Bairro Alto (versão online, 2022), a performance inaugura um novo andamento (Pós-Produção) para o projeto MULTIVERSIDADE, que durante o biénio 2022-23 se desdobrará numa série de encontros preparatórios para a edificação “real”, temporária e precária, de uma multiversidade, a acontecer em 2024 em Vila do Conde no contexto do Circular – Festival de Artes Performativas, à qual se juntarão uma publicação e um colóquio internacional.

MULTIVERSIDADE é um projeto cofinanciado pelos programas Aalto Arts, Department of Art Grants (Aalto University, Finlândia), Reclamar Tempo (Teatro Municipal do Porto) e Garantir Cultura/Fundo de Fomento Cultural (Portugal). Agradecimentos: Cátia Pinheiro, José Nunes e participantes das duas edições do RECURSO (mala voadora, 2018 + CAMPUS Paulo Cunha e Silva, 2021).

Próximas apresentações:

Novembro 2022 | RE=Iniciar – Encontro de Artes Performativas, Imaginarius Centro de Criação, Santa Maria da Feira (organização: Ballet Contemporâneo do Norte)

Fevereiro 2023 | Aalto University School of Arts, Design and Architecture, Väre, Espoo (Finlândia) (organização: Visual Cultures, Curating & Contemporary Art programme)

Mais:

www.multiversity.pt

www.facebook.com/groups/universityliopisto